30 de out. de 2009

O trator do calote público

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Postado por Gilmar da Silva, em 31, 10, 2009
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O Brasil assistiu recentemente às imagens de um trator dirigido por integrantes do MST, destruindo pés de laranja de uma fazenda produtiva. Algo tão violento e impensável está prestes a ser aprovado no Congresso: a PEC do Calote Público. A União está em dia com o pagamento de suas dívidas judiciais, os chamados precatórios. Mas estados e municípios, com raras exceções, descumpriram a moratória de oito anos aprovada em 1988, e a de dez anos em 2000. Estima-se num total de R$ 100 bilhões o volume de ordens judiciais em atraso, e em milhões o número de credores, muitos dos quais já morreram.

Uma PEC foi aprovada no Senado, declarada inconstitucional na Comissão de Justiça da Câmara de Deputados, que produziu nova versão pelo relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Não há razão para otimismo, pois a nova versão mantém pecados constitucionais, como lesões ao princípio federativo (divisão do país em regiões para pagamento de créditos); à República (violação da responsabilidade do governante); à coisa julgada; ao direito adquirido; ao ato jurídico perfeito; à separação dos poderes; aos princípios da igualdade e da moralidade pública.

A PEC da Câmara determina que estados e municípios destinem anualmente entre 0,5% e 2% da receita líquida para o pagamento de dívidas judiciais passadas, presentes e futuras. E dá um prazo de 15 anos para que os entes paguem seus precatórios. A nova versão cria um “leilão” reverso, onde as pessoas mais desesperadas dariam os maiores descontos para receber imediatamente. O único comprador seria o próprio devedor, que pagaria quanto e quando quisesse.

Uma análise básica do relatório do deputado Eduardo Cunha mostra alguns avanços pontuais:
1. A possibilidade de federalização dos precatórios. Seria uma grande alternativa: a troca do papel precatório estadual ou municipal por títulos de longo prazo da União, com vencimento do principal para 20 ou 30 anos. Os devedores de hoje aliviariam seu fluxo de caixa, ao jogar o pagamento do principal para este longo prazo, ficando comprometido unicamente com o pagamento de juros a cada seis meses. Os credores, por seu lado, poderiam vender no mercado seus papéis oriundos de precatórios. Poderia ainda capitalizar tais papéis em fundos de infraestrutura, ou manter tudo como investimento de longo prazo.
2. Fica mantida a determinação de que 50% dos recursos sejam destinados ao pagamento dos precatórios por ordem cronológica e, como novidade, estabelece três possibilidades para os 50% restantes: leilão de precatórios, pagamento por ordem cronológica dando prioridade a dívidas de menor valor e à criação de câmaras de conciliação.

Mesmo reconhecendo os avanços é preciso alertar que o projeto carece de estudos econômicos. Tudo está sendo feito às pressas. Neste cenário, por que a pressa e a pressão para aprovação desta PEC no afogadilho, ainda em 2009? O que se fala é que os maiores inadimplentes do Brasil, estado de São Paulo e município de São Paulo, lideram este movimento para liberar recursos no ano eleitoral de 2010.

A revolta contra o atraso proposto para devolução do Imposto de Renda na fonte é um exemplo adicional do cansaço da população com esta mão única de dinheiro sempre em direção do Estado e nunca do contribuinte. Enfim, o Brasil está na agenda do dia: pré-sal, Copa do Mundo, PAC, Olimpíadas — tudo a ver com um país civilizado, estável e seguro para grandes investimentos. É isto que a PEC do Calote trará ao país? Evidentemente, não. O governo federal e somente ele pode e deve colocar um basta no MCP — Movimento do Calote Público.

FLAVIO BRANDO é presidente da Comissão Especial de Assuntos Relativos aos Precatórios Judiciais da OAB.
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